A nulidade do negócio jurídico simulado e seu reconhecimento em embargos de terceiro

A simulação, instituto clássico do Direito Civil, continua sendo uma das causas mais relevantes de nulidade dos negócios jurídicos, especialmente quando utilizada com o propósito de fraudar credores, mascarar a realidade patrimonial ou ocultar a verdadeira intenção das partes. O tema ganha especial relevo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em recente decisão, reafirmou que a nulidade de negócio jurídico simulado pode ser reconhecida no julgamento de embargos de terceiro, sem necessidade de ação autônoma para esse fim (REsp 1.927.496/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 27/04/2021, Informativo 694).

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1. O conceito e os efeitos da simulação

De acordo com o art. 167 do Código Civil, “é nulo o negócio jurídico simulado”, sendo considerada simulação quando as partes declaram ou confessam falsamente a vontade, com o intuito de enganar terceiros ou de ocultar a verdadeira natureza do ato. A nulidade, nesse caso, é absoluta, pois decorre de violação à boa-fé objetiva e à transparência das relações jurídicas.

A simulação atinge a própria essência do negócio jurídico, tornando-o destituído de validade e eficácia. Em razão disso, a nulidade é insanável, podendo ser declarada a qualquer tempo e por qualquer interessado, ou até mesmo de ofício pelo juiz, conforme dispõe o art. 168, parágrafo único, do Código Civil.

2. Reconhecimento incidental da nulidade

Por se tratar de matéria de ordem pública, o reconhecimento da nulidade de um negócio simulado não depende de ação autônoma. O juiz pode declará-la incidentalmente em qualquer processo, inclusive em embargos de terceiro, sempre que o vício for constatado no curso da demanda.

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Essa orientação está em plena harmonia com os princípios da instrumentalidade e da economia processual, uma vez que evita a multiplicação de ações para declarar o que já é evidente diante dos elementos do processo principal.

3. A inaplicabilidade da Súmula 195 do STJ

Antes do Código Civil de 2002, o Superior Tribunal de Justiça consolidara, por meio da Súmula 195, o entendimento de que “em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”. Entretanto, com a entrada em vigor do novo Código, a sistemática das nulidades foi reorganizada, e a simulação passou a ser expressamente tratada como causa de nulidade absoluta.

Assim, o STJ passou a diferenciar a fraude contra credores (que gera anulabilidade, e não nulidade absoluta) da simulação, cuja invalidade é plena e imprescritível. Dessa forma, para negócios jurídicos simulados ocorridos após o Código Civil de 2002, não se aplica mais a Súmula 195, conforme expressamente decidido no REsp 1.927.496/SP.

4. Entendimento jurisprudencial consolidado

No julgamento citado, a Terceira Turma do STJ afirmou que, sendo a simulação causa de nulidade absoluta, o reconhecimento do vício pode ocorrer de ofício ou incidentalmente em qualquer processo, inclusive nos embargos de terceiro. O tribunal destacou que o magistrado, diante de prova inequívoca da simulação, não apenas pode, como deve declarar a nulidade, independentemente de provocação específica.

Esse entendimento reforça a função jurisdicional de controle da legalidade e impede que negócios simulados se mantenham válidos, protegendo a segurança jurídica e a boa-fé nas relações civis.

5. Conclusão

O reconhecimento da nulidade de um negócio jurídico simulado é medida que se impõe em qualquer sede processual, inclusive nos embargos de terceiro, sempre que a prova dos autos evidenciar a falsidade da manifestação de vontade das partes.

A jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça reflete um avanço interpretativo compatível com os princípios constitucionais da efetividade e da moralidade das relações jurídicas, garantindo que o processo seja um instrumento de realização da justiça material, e não um obstáculo formal à declaração da verdade.

Mais do que uma questão processual, a possibilidade de reconhecimento incidental da simulação reforça o papel do Judiciário na defesa da boa-fé, da transparência e da segurança das relações jurídicas privadas.


Referências:

  • BRASIL. Código Civil, arts. 167 e 168.
  • STJ. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.927.496/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 27/04/2021 (Informativo 694).
  • STJ. Súmula 195.

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