O avanço das comunicações digitais trouxe novas formas de interação social, mas também novos desafios jurídicos relacionados à privacidade, à intimidade e à responsabilidade civil. Entre esses desafios, destaca-se a divulgação indevida de conversas privadas realizadas por aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, tema que tem sido objeto de atenção crescente pelos tribunais superiores.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento de que a divulgação de mensagens trocadas via WhatsApp, por parte dos interlocutores ou de terceiros, pode ensejar responsabilização civil pelos danos causados.
Esse foi o entendimento firmado pela 3ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.903.273/PR, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, em 24 de agosto de 2021 (Informativo 706).
1. O sigilo das comunicações e a proteção das conversas privadas
As conversas mantidas por meio de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, estão protegidas pelo sigilo das comunicações, conforme previsto no art. 5º, XII, da Constituição Federal e reafirmado pela jurisprudência.
A proteção decorre do fato de que as mensagens eletrônicas têm caráter privado, sendo acessíveis apenas aos interlocutores. O conteúdo transmitido é protegido pela criptografia ponta a ponta, tecnologia que impede o acesso de terceiros, inclusive do próprio provedor da aplicação.
Assim, somente os participantes da conversa ou a autoridade judicial, mediante decisão fundamentada, podem ter acesso ao conteúdo das mensagens.
Qualquer divulgação por parte de terceiros, sem autorização, viola o direito fundamental à privacidade e à intimidade.
2. A legítima expectativa de confidencialidade
Ao enviar uma mensagem via WhatsApp, o emissor legitimamente espera que o conteúdo permaneça restrito ao(s) destinatário(s).
Se desejasse tornar pública aquela comunicação, o indivíduo poderia optar por meios abertos, como redes sociais de acesso público ou a mídia tradicional.
Essa expectativa de confidencialidade não é apenas moral, mas juridicamente protegida, derivada dos direitos de personalidade e da boa-fé objetiva nas relações sociais.
Logo, a divulgação pública de uma conversa privada sem consentimento constitui quebra de dever de lealdade e confidencialidade, configurando ato ilícito quando causa dano a outrem.
3. A responsabilidade pela divulgação indevida
De acordo com o STJ, tanto um dos interlocutores quanto terceiros que obtenham e divulguem o conteúdo das conversas podem ser responsabilizados civilmente.
A responsabilização decorre da violação da privacidade e da confiança legítima, especialmente quando a divulgação expõe fatos pessoais, íntimos ou prejudiciais à honra de alguém.
Para a configuração da responsabilidade, é necessário verificar:
- a ausência de consentimento dos interlocutores;
- a existência de divulgação pública ou difusão indevida das mensagens;
- e a ocorrência de dano concreto, seja moral ou material.
Em tais hipóteses, o dever de indenizar poderá ser reconhecido, conforme os arts. 186 e 927 do Código Civil.
4. Exceções: divulgação para resguardar direito próprio
O STJ ressalvou, contudo, que a ilicitude da divulgação pode ser afastada em situações excepcionais — quando a exposição das mensagens visa proteger direito próprio do receptor.
Por exemplo, se as mensagens contêm provas de assédio, ameaça ou difamação, o receptor pode apresentá-las em juízo ou à autoridade competente, pois o exercício regular de direito prevalece sobre o dever de sigilo.
Nesses casos, o juiz deverá ponderar os valores em conflito — o direito à privacidade versus o direito à tutela judicial — e decidir qual prevalece à luz do caso concreto.
5. Conclusão
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça reafirma a importância da privacidade digital e da confiança nas comunicações privadas.
Divulgar mensagens de WhatsApp sem autorização viola não apenas o sigilo das comunicações, mas também a expectativa legítima de confidencialidade do emissor.
A conduta pode gerar responsabilidade civil, desde que comprovado o dano decorrente da exposição.
Por outro lado, a divulgação é admitida quando necessária à defesa de um direito próprio, sempre sujeita à análise proporcional do caso concreto.
A decisão do STJ reforça o compromisso do Judiciário com o equilíbrio entre liberdade, responsabilidade e privacidade na era digital.
Referências:
- BRASIL. Constituição Federal de 1988, art. 5º, XII.
- BRASIL. Código Civil, arts. 186 e 927.
- STJ. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.903.273/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/08/2021 (Informativo 706).