O nome é um dos mais importantes direitos da personalidade, constituindo elemento essencial da identidade civil da pessoa. Por meio dele, o indivíduo é reconhecido na sociedade e no ordenamento jurídico, de modo que qualquer alteração em seu registro civil deve respeitar princípios como a dignidade da pessoa humana, a boa-fé e a lealdade familiar.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de exclusão do prenome de uma criança quando o pai, no momento do registro civil, informou unilateralmente um nome diferente daquele que havia sido consensualmente escolhido pelos genitores.
O entendimento foi firmado pela 3ª Turma do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.905.614/SP, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, em 4 de maio de 2021 (Informativo 695).
1. O caso concreto: quebra do acordo e violação à boa-fé familiar
No caso analisado, os pais haviam pactuado previamente o nome da filha. Entretanto, ao realizar o registro civil, o pai descumpriu o acordo e registrou um nome diferente, sem o consentimento da mãe.
A conduta do genitor, além de surpreender a mãe, rompeu o consenso familiar e violou os deveres de lealdade e boa-fé objetiva, que orientam as relações jurídicas e familiares.
Conforme destacou o STJ, nomear um filho é ato decorrente do poder familiar, que pressupõe bilateralidade e cooperação entre os pais, sendo inadmissível o exercício unilateral desse direito em situações de consenso prévio.
2. O exercício abusivo do direito de nomear
O tribunal considerou que o comportamento do pai configurou exercício abusivo do direito de nomear, previsto no art. 187 do Código Civil, pois extrapolou os limites da boa-fé e da finalidade do poder familiar.
O ato praticado, embora formalmente regular — o registro do nascimento —, mostrou-se materialmente viciado por ferir valores de confiança e parceria inerentes à parentalidade responsável.
Nesse contexto, o STJ entendeu ser irrelevante investigar se houve má-fé, vingança ou intenção dolosa.
A simples violação do acordo e da expectativa legítima da mãe basta para caracterizar a ilicitude da conduta, autorizando a retificação do registro civil para excluir o prenome imposto unilateralmente.
3. A possibilidade de modificação do nome
A exclusão do prenome foi fundamentada no art. 57, caput, da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), que permite a alteração do nome por exceção e mediante decisão judicial, quando houver motivo justificável e relevante.
O nome civil, embora dotado de estabilidade, não é absoluto, podendo ser modificado quando sua manutenção representar violação a valores fundamentais, como a boa-fé, a confiança e a cooperação entre os pais.
Nesse sentido, a 3ª Turma do STJ concluiu que:
“A conduta do pai de descumprir o que foi combinado é considerada um ato ilícito, independentemente da sua intenção, configurando exercício abusivo do direito de nomear o filho.”
Assim, o poder familiar deve ser exercido de forma compartilhada e colaborativa, sendo vedada qualquer forma de autotutela no âmbito familiar.
4. A importância da decisão para o Direito de Família
A decisão reforça o papel da boa-fé objetiva nas relações familiares, princípio que há muito ultrapassou o campo contratual e se estendeu às relações pessoais e afetivas.
O STJ reconhece que as relações de parentalidade também devem observar deveres de confiança, respeito e lealdade, especialmente quando envolvem decisões que impactam diretamente a identidade e a personalidade da criança.
Ao admitir a exclusão do prenome, a Corte protege o direito da criança de ter um nome que reflita a vontade legítima e compartilhada dos pais, preservando, assim, sua identidade e dignidade.
5. Conclusão
A decisão do Superior Tribunal de Justiça reafirma a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da lealdade familiar no exercício do poder parental.
Quando o pai, de forma unilateral, registra a criança com nome diverso do ajustado com a mãe, configura-se abuso de direito, legitimando a retificação do registro civil para restabelecer a vontade conjunta dos genitores.
Em suma, nomear um filho é ato de amor e responsabilidade compartilhada, e não instrumento de imposição ou desavença familiar.
Referências:
- BRASIL. Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), art. 57.
- BRASIL. Código Civil, art. 187.
- STJ. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1.905.614/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/05/2021 (Informativo 695).