O PROCEDIMENTO COMUM NO NOVO CPC: PETIÇÃO INICIAL – 2ª PARTE
Veja também:
- O Procedimento Comum no Novo CPC – 1ª Parte
- O Procedimento Comum no Novo CPC: Pedidos, Requerimentos e Documentos – 3ª Parte.
A petição inicial é o documento escrito por meio do qual o autor provoca o Poder Judiciário a prestar a jurisdição (que é, em resumo, a resposta previamente estabelecida pelo ordenamento jurídico para a solução de determinada controvérsia).
É a petição inicial que inaugura (inicia/começa) o procedimento comum do no Novo CPC. Embora haja exceções ao princípio de que o Poder Judiciário só deve agir quando provocado pelo autor — a exemplo dos casos previstos pelos arts. 712, 738 e 744 do Novo CPC —, essas exceções somente existem em alguns procedimentos especiais: o rito comum tem sempre a petição inicial como primeiro ato processual.
O Novo CPC estabelece oito requisitos para a elaboração da petição inicial: [1] o endereçamento; [2] a qualificação das partes; [3] a causa de pedir; [4] o pedido da tutela jurídica, também chamado de objeto (“pedido em si”); [5] o requerimento de provas; [6] a opção sobre audiência de conciliação ou de mediação; [7] o valor da causa; [8] a assinatura do advogado(a).
Em síntese, tais requisitos formam uma estrutura básica para que o autor diga, por meio da petição inicial: com qual órgão do Poder Judiciário ele está falando [endereçamento]; quem é ele (autor) e com quem ele está litigando (réu) — [qualificação]; quais são as razões que o levaram a buscar a jurisdição [causa de pedir]; o que ele pretende obter com a demanda [pedido]; como ele pretende provar o que alega [requerimento de provas]; quanto sua demanda representa em termos pecuniários [valor da causa]; e quem é o seu representante processual [advogado/a]. Essa estrutura básica serve para que o Poder Judiciário (que, até então, não tinha conhecimento da controvérsia) tenha elementos mínimos para examinar qual o problema que ele terá de resolver, quem são os envolvidos e o que cada um pretende.
É evidente que, com o desenrolar do processo — que, em princípio, compreende a análise dos argumentos do réu, das provas, das presunções etc. —, o Poder Judiciário agrupa mais elementos para caracterizar juridicamente a causa e fornecer a ela uma solução alinhada ao ordenamento jurídico. Mas a petição inicial já antecipa, com seus requisitos, a versão apresentada pelo autor a respeito do problema: no fundo, a petição inicial é uma carta de intenções, isto é, apresenta, tanto quanto possível, o que o autor deseja que aconteça ao longo do procedimento, especialmente na sentença.
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[1] O endereçamento (art. 319, I, CPC) está diretamente relacionado à competência do órgão jurisdicional: o autor deve dirigir sua petição inicial àquele órgão especificamente designado pela lei para apreciar (processar e julgar) a demanda. Assim, imagine que o autor, residente do Rio de Janeiro/RJ, viaja para Brasília e, lá chegando, aluga um carro e envolve-se em um acidente com o réu, que também estava à passeio pela Capital Federal, mas reside em Belo Horizonte/MG. Nesse caso, a ação de indenização deve ser ajuizada perante uma vara (fórum) ou tribunal? Para qual especialidade da justiça deve se dirigir (militar, eleitoral, do trabalho, federal, estadual, distrital)? Em qual cidade? Qual vara? São as regras de determinação da competência que definem essas respostas.
Tendo em vista que o assunto da competência é muito amplo, não caberia, nesta breve exposição sobre os requisitos da petição inicial, adentrar nessa vasta seara — no caso hipotético acima, por exemplo, o autor poderia, à sua escolha, ajuizar a ação de indenização tanto perante a primeira instância de Brasília ou do Rio de Janeiro (art. 53, V, Novo CPC), quanto perante a primeira instância do Juizado Especial Cível dessas duas localidades (art. 1.063 do CPC, art. 3º, II, da Lei 9.099/95). É importante lembrar, contudo, que as regras de determinação da competência podem ser encontradas na Constituição Federal, no Código de Processo Civil, na legislação extravagante (exemplo: lei de locações, lei de falências, Código de Defesa do Consumidor etc.) e nas leis locais de organização judiciária (que podem prever, por exemplo, que demanda deverá ser proposta perante uma vara cível ou perante uma vara especializada em acidentes de trânsito).
[2] A qualificação das partes (art. 319, II, CPC) é importante por inúmeros motivos. Primeiramente, porque permite que se verifique se alguma das partes tem qualquer característica que tenha relevância específica para o processo. Pessoas casadas sob os regimes de comunhão parcial ou total de bens, por exemplo, precisam da autorização do cônjuge para ajuizar ações que tratem de direitos reais imobiliários (art. 73 do Novo CPC); as pessoas jurídicas de direito público da esfera federal, em regra, deslocam a competência da ação para a justiça federal (art. 109, I, CF); os incapazes (relativa ou absolutamente) devem ser assistidos ou representados em juízo (art. 71 do Novo CPC); a parte que estiver advogando em causa própria não precisa (nem poderia) juntar procuração, mas deverá fornecer seu endereço na própria petição inicial (art. 106 do Novo CPC).
Por outro lado, a qualificação das partes também é importante para delimitar a extensão da sentença quanto às pessoas (ou sujeitos) que engloba: se a ação foi proposta em desfavor de determinada empresa, a princípio, seus sócios não serão atingidos, patrimonialmente, de maneira direta (art. 795 do Novo CPC) — portanto, se o autor pretender perseguir diretamente o patrimônio dos sócios, terá de requerer a desconsideração da personalidade jurídica (art. 134, §2º, CPC) e demonstrar a presença dos requisitos que a autorizam (art. 50 do Código Civil, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor).
Em acréscimo, a qualificação das partes também é relevante para verificar sua legitimidade para figurar no processo (se a sogra ajuíza ação de divórcio entre o genro e a filha, ao verificar-se sua qualificação, percebe-se que ela não faz parte do vínculo matrimonial). Nem sempre, o autor dispõe de toda a qualificação do réu (caso, por exemplo, de uma ação possessória em que um grupo invadiu a propriedade do autor), hipóteses nas quais o autor poderá indicar os elementos indispensáveis à citação (art. 319, §2º, Novo CPC) — podendo “qualificar” genericamente, como: “pessoas que podem ser encontradas em tal local” — ou requisitar que o próprio Poder Judiciário solicite informações a outros órgãos públicos que possam fornecer os dados (art. 319, §1º do Novo CPC), a exemplo do DETRAN, da Receita Federal, da Justiça Eleitoral etc. (quando se estiver diante de um caso em que, por exemplo, o motorista fugiu após a batida de carros, mas foi possível anotar a placa do veículo).
[3] A causa de pedir (art. 319, III, CPC) consiste exatamente na exposição das razões (fáticas e jurídicas) que levaram o autor a buscar a tutela jurisdicional. É neste capítulo da peça que o autor conta sua versão da história, tentando, desde logo, convencer o Poder Judiciário de que ele (autor) merece que seu pedido seja atendido. A princípio, não é necessário que o autor indique os dispositivos legais (artigos de lei) correspondentes aos fatos, contudo, é recomendável que ele assim o faça, não só para adiantar ao juiz os fundamentos legais da futura sentença (delimitando o debate jurídico), mas também para facilitar a eventual impugnação da sentença em fase recursal.
[4] O pedido (art. 319, IV, Novo CPC), também chamado de objeto da ação, é a especificação das providências que autor espera do Estado. Pedido ou objeto, na linguagem processual, é a tutela jurídica do direito (pedido imediato) — que consiste na condenação, na (des)constituição ou na declaração — e o bem da vida (pedido mediato) pretendido pelo autor (como o carro, a certidão, o dinheiro, o imóvel etc.). Há várias outras coisas — além da condenação, da (des)constituição e da declaração — que o autor pode “pedir” na sua petição inicial (como a gratuidade de justiça, as tutelas de urgência, a produção antecipada de prova, o envio de ofícios a órgãos públicos etc.), mas todas essas coisas são consideradas meros “requerimentos”: porque, embora sejam pleitos que podem ajudar na concretização do direito do autor, elas são acessórias ao objeto da ação.
Então, repita-se, quando se fala em pedido/objeto, quer-se dizer condenação, (des)constituição e/ou declaração (e os correspondentes bens da vida). A forma de fazer o pedido e suas características serão examinadas de maneira mais detalhada no próximo texto da série.
[5] A opção sobre audiência de conciliação ou de mediação (art. 319, VII, Novo CPC) é um requisito ocasional da petição inicial: se o autor quiser que seja designada essa audiência, ele tanto pode dizer expressamente na petição inicial que assim deseja quanto pode, simplesmente, silenciar a respeito (caso em que se presume sua concordância com a realização da audiência, conforme decorre dos §§ 4º e 5º do art. 334 do Novo CPC).
Portanto, a rigor, o autor só precisa se manifestar expressamente na petição inicial a esse respeito quando ele não desejar que seja realizada a audiência de conciliação ou de mediação. Logo, a ausência dessa manifestação acerca da audiência não pode ser considerada um defeito da petição inicial (isto é, não pode gerar determinação de emenda ou indeferimento da petição inicial por parte do Poder Judiciário), mas interpretada simplesmente como anuência tácita do autor à realização daquele ato. É preciso ressaltar, que a concordância do autor com a realização da audiência não significa que ele estará obrigado a fazer acordo, mas simplesmente que ele aceita a realização do ato.
[6] O requerimento de provas (art. 319, VI, CPC) é o momento da petição inicial no qual o autor deve dizer ao juiz quais meios de prova ele pretende utilizar para demonstrar a verdade dos fatos narrados na causa de pedir. Isso não significa que o autor deva “especificar” os meios de prova desde logo. Uma coisa (indicação dos meios) é o autor dizer que pretende usar provas documentais, testemunhais, periciais etc. Outra coisa (especificação) é individualizar as testemunhas (fulano de tal), apresentar os quesitos (perguntas que devem ser respondidas pela perícia), apontar os documentos que devem ser exibidos (contrato de aluguel, ata da reunião de condomínio, contrato social da empresa etc.). Na petição inicial, basta que o autor faça o requerimento de provas, indicando os meios que pretende utilizar ao longo do processo. É claro que, como os documentos úteis à comprovação do direito do autor devem ser anexados à petição inicial (art. 434 do Novo CPC), a prova documental, em regra, será não exibida desde logo, mas é possível, em algumas situações, que ela seja apresentada posteriormente (a exemplo dos arts. 435 e 396 do CPC).
[7] O valor da causa (art. 319, V, Novo CPC) deve ser calculado de acordo com os ditames do art. 292 do Novo CPC. Mas, naquelas causas em que o direito debatido não tiver um conteúdo econômico (a exemplo de uma ação que pretenda o reconhecimento de paternidade), o autor poderá atribuir um valor aleatório à causa (na prática jurídica, normalmente, estipula-se o valor do salário mínimo). O valor da causa, no procedimento comum, serve como base para a imposição de sanções processuais (arts. 77, §2º, 334, §8º, 467, §1º, 702, §10, Novo CPC) e para a fixação de honorários sucumbenciais em casos específicos (art. 338, parágrafo único, Novo CPC).
[8] A assinatura do advogado(a) — decorrência da combinação dos arts. 103 e 209 do CPC — serve para demonstrar que a parte está representada por profissional legalmente habilitado e para evitar que haja, no processo, documento apócrifo (sem origem conhecida ou de autenticidade não comprovada).
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